"Crescente preocupação”, diz Lula sobre crise entre Venezuela e Guiana
Presidente sugere mediação pela Celac e Unasul
© Tânia Rêgo/Agência Brasil
Jornal De Domingo - Por Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro 07/12/2023 - 17h08min - 6 min de leitura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta quinta-feira (7), que está acompanhando com “crescente preocupação” a situação em Equessibo, território em disputa por Venezuela e Guiana, que faz também fronteira com o norte do Brasil. No último domingo (3), a Venezuela aprovou um referendo que torna a região parte do país. Há dois dias, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, determinou a criação de um estado na área disputada.
A preocupação do presidente Lula foi manifestada durante a abertura de reunião de cúpula dos países membros do Mercosul, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
“O Mercosul não pode ficar alheio a essa situação”, disse, ao pedir o apoio dos colegas sul-americanos a uma minuta acordada pelos chanceleres do bloco regional.
Não queremos que esse tema contamine a retomada do processo de integração regional ou constitua ameaça à paz e estabilidade”.
Lula defendeu que a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) sejam utilizadas para o encaminhamento pacífico da questão. O presidente brasileiro colocou o país à disposição para sediar “quantas reuniões forem necessárias” entre as partes envolvidas. A Venezuela é membro do Mercosul, mas está suspensa.
“Vamos tratar com muito carinho porque uma coisa que não queremos aqui na América do Sul é guerra”, enfatizou Lula. “Nós não precisamos de guerra, não precisamos de conflito. Nós precisamos é construir a paz”, completou.
Argentina
Além do mandatário brasileiro estão presentes no encontro o presidente Luis Lacalle Pou, do Uruguai; Santiago Peña, do Paraguai; e Alberto Fernández, da Argentina, que deixará o cargo dentro de três dias. Ele será substituído por Javier Milei, que fez campanha se mostrando crítico ao Mercosul.
Lula se disse triste pela última participação de Fernández como um dos presidentes do Mercosul. O presidente salientou que é amigo do argentino.
“Sei o papel importante que você jogou nesse seu período de governo. Lamentavelmente, eu acho que você merecia melhor sorte, a economia merecia melhor sorte, mas aconteceu o infortúnio da pandemia e de uma seca”, lamentou.
O presidente da Bolívia, Luis Arce, também está no Rio de Janeiro. O encontro do Mercosul sela a adesão do país andino ao bloco regional, faltando apenas procedimentos internos bolivianos.
“Estamos nos aproximando, efetivamente, de realizar um sonho da integração entre Atlântico e Pacífico”, disse Lula, adiantando que será apresentado um programa de ligação logística dos países, com estruturação de rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos. O BNDES ajudará a financiar o projeto.
Singapura
O presidente classificou como um passo importante a assinatura de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e Singapura. É o primeiro acordo do tipo do Mercosul em 11 anos e o primeiro com um país asiático.
“O acordo tem o potencial de estimular a atração de investimento”, ressaltou Lula, acrescentando que, em 2022, Singapura foi o 11º maior investidor global.
União Europeia
Havia a expectativa para o anúncio da assinatura de um tratado de comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). As negociações tinham sido aceleradas nas últimas semanas. Mas no sábado (2), durante a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente da França, Emmanuel Macron, manifestou contrariedade aos termos.
Lula afirmou que sonhava com a assinatura do tratado. “Nunca na história do Mercosul se conversou com tanta gente”, disse. “Fiz um apelo ao Macron para ele deixar de ser tão protecionista”. O presidente citou que pediu até ajuda do primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, para tentar convencer o francês.
Lula explicou ainda que a versão do acordo herdada do governo passado era “inaceitável”. “Nos tratava como se fôssemos seres inferiores. Como se fôssemos país colonizado ainda”. O presidente citou como exemplo questões ligadas às compras governamentais. "Não dá para a gente abrir como eles queriam que a gente abrisse”, declarou.
“As resistências da Europa ainda são muito grandes. Eu estranho a falta de flexibilidade de eles entenderem que nós ainda temos muita coisa para crescer, temos o dever de nos industrializar”.
O próximo país a assumir a presidência pro tempore por 6 meses é o Paraguai. Lula incentivou o presidente paraguaio a não desistir e brigar pelo acordo.
Outra crítica de Lula à UE é a dificuldade de os europeus reconhecerem a credibilidade de dados sul-americanos sobre desmatamento. “Nós tratamos a questão ambiental com muita seriedade. Tenho compromisso público de que vamos chegar em 2030 com desmatamento zero”, prometeu o presidente. De acordo com Lula, o Brasil reduziu o desmatamento pela metade este ano. Ele lembrou ainda que a COP30, em 2025, será realizada em Belém, no Pará.
Participação social
A reunião entre os presidentes dos países do Cone Sul foi precedida pela retomada da Cúpula Social, que não acontecia de forma presencial havia 7 anos. Movimentos da sociedade civil tiveram dois dias de encontros no Museu do Amanhã e elaboraram uma carta que foi entregue aos líderes. No documento, há sugestões e demandas sociais como defesa do meio ambiente, combate à fome, dignidade para trabalhadores e políticas de direitos humanos.
“Essa gente representa o que a gente tem de vivo na nossa sociedade e vão nos ajudar”, declarou.
Regulamentação das redes
Lula sugeriu aos demais presidentes a criação de uma comissão especial para discutir democracia, informação e ambientes digitais. Para ele, o assunto precisa ser tratado globalmente.
Precisamos estar sempre atento às novas ameaças e atualizar nossos mecanismos de regulação. Vamos nos equipar para garantir o direito de liberdade de expressão ao mesmo tempo que coibimos o discurso de ódio, a desinformação e as práticas abusivas das grandes empresas de tecnologia”.
Mercosul
O Mercosul é um processo de integração regional iniciado em 1991, formado inicialmente pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Nas décadas seguintes foram aprovados os ingressos da Venezuela e Bolívia. Desde 2017, a Venezuela está suspensa pelo não cumprimento de cláusulas democráticas do bloco. São países associados Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname.
As trocas comerciais dentro do bloco multiplicaram-se mais de dez vezes desde sua criação, saltando de US$ 4,5 bilhões para US$ 46 bilhões em 2022.
O bloco abrange uma área de 14.869.775 quilômetros quadrados – o Brasil detém 57% – e uma população de 295 milhões de habitantes, sendo mais de 200 milhões de brasileiros.
Edição: Valéria Aguiar
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